Esse é um tema que me persegue desde os últimos quatro anos, e sobre o qual sempre me vejo na necessidade de falar sobre ou tocar no assunto, sobretudo a partir do meu lugar de psicólogo e homem gay.
Antes de falar sobre a parte mais técnica, entrarei primeiro em um âmbito pessoal. Nasci em um lar cristão e conservador, e às vezes paro para observar (com uma certa admiração) a mudança nos meus próprios pontos de vista sobre o assunto: antes (até os 20 anos de idade) eu acreditava firmemente em uma possibilidade de cura, e frequentemente me agarrava nisto como uma esperança para dar fim àquilo que acreditava ser o mal que eu carregava. Algum tempo depois de completar meus 20, minha opinião mudou para o extremo oposto: não, não há uma cura e isto sequer é uma doença ou problema. Claro, essa mudança acompanhou meu próprio processo de auto-aceitação, o que me leva a pensar em quantas pessoas homossexuais ainda acreditam em algo que, hoje, considero antiquado — e o engraçado é que esse “antiquado” era bem real e tinha muito sentido há não muitos anos atrás.
Quis o destino que meu processo de auto-aceitação coincidisse com uma disciplina de Psicologia e Sexualidade (na época, eu ainda estava na graduação, a qual eu concluiria no ano seguinte). Foi um passo para me apropriar de leituras sobre o tema e de argumentos científicos contra a cura gay — argumentos estes que, mais tarde, seriam dados em um contexto de pessoas religiosas próximas a mim que acreditavam (e talvez ainda acreditem) nessa cura.
Tenho razões tanto pessoais quanto técnicas para afirmar que a tal cura gay não existe (e não poderia nunca existir). Pessoais porque ao olhar para minha própria trajetória, percebo o quanto uma luta por deixar de ser aquilo que se é, é infrutífera e só traz sofrimento. Ah, como eu gostaria que todas as pessoas homossexuais se apercebessem disso no início de suas adolescências. Quanto sofrimento seria poupado!
No lado técnico, o Leonardo psicólogo olha para os dados que derrubam essa ideia de cura, e eu poderia falar tantos dados e tantas pesquisas, que não cabem nesse texto. Nos Estados Unidos da América, a APA (American Psychological Association) conduziu em 2009 uma força-tarefa de revisão das pesquisas e dados disponíveis sobre os efeitos das chamadas “terapias de reorientação sexual”. Resultado da revisão? As tais terapias de reorientação, além de não funcionarem a longo prazo (ou seja: indivíduos homossexuais “curados” continuam relatando atração por pessoas do mesmo sexo), estão correlacionadas a efeitos colaterais como: aumento dos níveis de depressão, ansiedade e ideação/tentativa de suicídio. Isso nos leva para uma questão ética: é isto que queremos para outros seres humanos? Quando penso em líderes religiosos que defendem a tal cura gay, é somente esta pergunta que me vem à mente fazê-los.
Além do imbróglio ético a respeito de utilizar procedimentos que comprovadamente danificam a saúde mental mais do que a promovem, há também um impasse técnico importante: não existe hoje, em todo o arsenal de teorias, técnicas e procedimentos de intervenção psicológica, nenhuma ferramenta disponível, científica e eticamente validada e com eficácia empiricamente comprovada que possibilite a mudança de orientação sexual de alguém. Nós, psicólogas e psicólogos, simplesmente não possuímos meios de modificar adequada e eticamente a orientação sexual de alguém.
Mas e quanto às pessoas que querem, voluntariamente, deixarem de ser gays? A liberdade delas deve ser respeitada, não?
Claro que deve! Cada pessoa deve saber gerenciar a própria vida e, em última instância, é decisão de cada pessoa se aceitar ou tentar mudar aquilo que é. Entretanto, a Psicologia não dispõe de meios para efetivar a mudança que tais pessoas desejam realizar. Além disso, essa pergunta, tão comum e já a mim dirigida tantas vezes quando levanto esse assunto, esconde um pressuposto perigoso: o de que existem gays e lésbicas que querem deixar de serem o que são por vontade e iniciativa próprias. Essa atribuição de voluntariedade ao sujeito, nesse contexto, é perigosa por blindar nossos olhares para um ponto fundamental: de onde isso vem? O que faz com que uma pessoa queira, “voluntariamente”, deixar de ser quem é? Se não houvesse tanta recriminação à homossexualidade, existiriam pessoas que querem deixar de serem o que são? E uma pergunta ainda mais importante: porque não se oferecem tratamentos para se deixar de ser heterossexual? Quantas mulheres heterossexuais não já ouvi dizerem, em tom jocoso, que gostariam de serem lésbicas para não sofrerem em relacionamentos machistas com homens heterossexuais? Se tais afirmações fossem feitas a sério, seriam levadas a sério da mesma maneira por aqueles que defendem uma cura gay diante de uma suposta “voluntariedade” em deixar de ser gay? Estaríamos propondo “cura hétero” como solução para o sofrimento destas mulheres? A resposta a estas perguntas, diz tudo.
Muitas outras questões poderiam ser exploradas para esse tema que “dá pano pra manga”, mas extrapolariam o escopo deste pequeno texto que tem como objetivo promover uma reflexão importante para um país famoso por ser o que mais mata pessoas LGBT no mundo (ainda que esse posto seja um tanto quanto questionável — mas aí é outra discussão). Fecho com um chavão, que embora clichê continua verdadeiro: não há cura para aquilo que não é doença.
American Psychological Association. (1998). Appropriate therapeutic responses to sexual orientation in the proceedings of the American Psychological Association, Incorporated, for the legislative year 1997. American Psychologist, 53(8), 882–939.