Leonardo
3 min readOct 10, 2020

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Boa tarde Luana. Gratidão pela resposta precisa e cuidadosa e pela abertura ao diálogo. Concordo com boa parte do que falou, mas gostaria de chamar atenção para um ponto que notei ser bastante problemático: a afirmação de que os descendentes de indígenas não estão na categoria parda, e sim na indígena, não procede. Segundo o IBGE, os indígenas são 0,44% da população, menos de 900 mil pessoas. É óbvio que este número não conta os descendentes mestiços, que são milhões mais. Na Região Norte, por exemplo, 67% da população é parda, e o Movimento Negro e os órgãos públicos de pesquisa têm reivindicado que 73% da população do Norte é negra (soma dos pretos e pardos), mas quem conhece lugares como Manaus ou Belém sabe que essa é uma afirmação quase que fantasiosa, pois os pardos de lá têm fenótipo próximo aos indígenas. Então não, os descendentes de indígenas não são contados dentro da população indígena. São contados dentro da população parda (mestiça), que por sua vez é englobada dentro da população negra (percebe o problema?). Estas pessoas não se declaram ou são reconhecidas como indígenas por uma razão muito simples: para ser considerado indígena no Brasil, é preciso pertencer a um dos 315 povos indígenas reconhecidos pela Funai e ser reconhecido assim por uma liderança indígena. Ser indígena não é apenas uma questão de fenótipo, entende? Uma pessoa não pode se reivindicar indígena somente por ter pele amarronzada, cabelo liso e olhos puxados, sem ter a cultura indígena e o pertencimento a um dos povos nativos. Há barreiras jurídico-legais e burocráticas para esse tipo de autodeclaração. E aí vou dar um exemplo meu: sou descendente de indígenas, assim como todo o lado paterno da minha família, e nos autodeclaramos pardos por não termos a aparência das pessoas brancas e nossos traços indígenas serem muito fortes. Nós não podemos simplesmente chegar por aí dizendo “eu sou indígena”, sendo que não somos reconhecidos dessa forma por nenhum dos 315 povos nativos do país e nem pela Funai. É por isso que problematizo a reivindicação de que 56% da população é negra, pois é uma afirmação não-factual, uma vez que descendentes de indígenas como eu e minha família (que nos declaramos pardos pelos motivos que expliquei) estão sendo contadas sim aí, e isso é incorreto, porque não nos parecemos em nada com pessoas negras. Acho correto dizer que 56% da população é não-branca, mas não que 56% são negros! E sobre o trecho do seu comentário em que fala que “Quando tu diz que estas pessoas não podem ser descendentes por não virem dos povos nativos”, creio que não me expressei bem. Eu quis dizer que: sim, aquelas celebridades que citei como exemplos, são sim descendentes de indígenas (isso está literalmente estampado em seus corpos), mas mesmo sendo descendentes, não podem se reivindicar indígenas (até onde eu saiba, nem Zezé di Camargo, nem Dira Paes e nem Regina Casé são membros de nenhum povo indígena). Não é a mesma coisa que os negros, que podem considerar apenas o fenótipo para se autodeclararem, entende? Eu sinto que, muitas vezes, estas especificidades da realidade de indígenas e descendentes não recebem o devido lugar de escuta nos discursos contemporâneos sobre o pardo. Eu só gostaria que a militância percebesse que quando reivindicam que o pardo não existe, que é papel ou que é parte da negritude, acabam com isso negando a milhões de pessoas a única categoria possível a elas e as jogando em um limbo. Afinal, se não somos brancos, nem amarelos, nem negros, e nem propriamente indígenas, e pardo é parte da negritude, o que sobra para que nos autodeclaremos?

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